Comprei um vestido para uma menina que conheci na feira – no dia seguinte, bateram à minha porta e eu congelei.
Ao adquirir um simples vestido amarelo para uma menina na feira de antiguidades, imaginei estar praticando apenas um singelo gesto de generosidade. No dia seguinte, uma batida em minha porta transformaria completamente tudo, abrindo espaço para um vínculo mais significativo – uma demonstração de que a família que elegemos pode nos surpreender nos momentos mais inesperados.
Existem dias em que a existência se reduz a uma interminável relação de obrigações: torneiras com vazamento, autorizações escolares negligenciadas, contas a vencer e restos de refeições que ninguém verdadeiramente deseja.
E então, surgem aqueles instantes de quietude que me recordam o motivo pelo qual sigo em frente.
Trabalho em uma pequena loja de artigos domésticos, encaixada entre uma padaria e um salão de beleza, onde dedico meus dias a atender ligações e assegurar que o controle de inventário funcione adequadamente. Não é algo empolgante, mas supre as necessidades básicas de manter as contas em dia e o alimento na despensa.
Isso é tudo que verdadeiramente precisei desde que ficamos apenas eu e Letícia.
Minha filha, Letícia, agora com 11 anos, desenvolve-se em um ritmo acelerado. Ela demonstra uma sagacidade que por vezes me supera, carregando aquela sabedoria ancestral que as crianças ocasionalmente possuem quando a vida lhes impõe desafios prematuros. Ela tinha apenas dois anos quando perdemos o pai.
Desde então, assumo todos os papéis: aquela que entoa cantigas de ninar, revisa tarefas escolares e conhece o local exato onde se encontram os suprimentos reserva.
Não é a existência que eu havia idealizado, mas é a nossa realidade. E, na maior parte do tempo, é suficientemente satisfatória.
Ainda assim, me considero abençoada. Temos uma à outra. Compartilhamos risos. Desfrutamos de melodias ao amanhecer e chocolate quente nos dias frios. Não é perfeito, mas nos pertence, e isso já supera minhas expectativas em diversos aspectos.
Naquela tarde, eu não procurava nada específico – estava apenas vagando sem rumo. O dia havia sido extenso no trabalho, e eu ansiava por trinta minutos de tranquilidade antes de retornar aos alimentos requentados e à inevitável busca pelo material escolar de Letícia.
A feira de antiguidades representava minha válvula de escape. Um local onde eu podia manusear objetos com histórias e imaginar a quem haviam pertencido anteriormente.
O ar estava fresco, trazendo os primeiros indícios do outono sulista: canela, castanhas assadas, folhas úmidas e uma nuance reminiscente de papel envelhecido. Caminhava lentamente, observando pratarias usadas, canecas com imperfeições e um conjunto de xícaras de chá desalinhadas quando as avistei.
Uma avó e sua neta. A pequena não aparentava mais do que cinco anos. Seu casaco era inadequado para o clima frio, e os sapatos mostravam sinais de desgaste nas pontas.
Ela segurava a mão da avó com firmeza, mas seus olhos se iluminaram ao passar por um cabide com roupas.
Ela interrompeu o passo e puxou a idosa para trás.
“Vovó, veja só!” exclamou, erguendo-se na ponta dos pés. “Se eu usar isso, serei uma princesa no Festival de Primavera da escolinha!”
Ela apontava para um vestido de tom amarelo-claro. Era uma peça simples em algodão, com detalhes em renda nas extremidades das mangas. Não era suntuoso, mas possuía seu próprio encanto. Aquele fascínio que determinadas peças de vestuário carregam – algo que uma criança enxerga e imediatamente acredita.
Por vezes, o relevante não é o tecido, mas a coragem que uma criança sente ao vesti-lo.
A avó inclinou-se, apertando os olhos para ler a etiqueta de preço. Percebi sua expressão modificar-se por um instante, enquanto soltava um suspiro contido.
“Querida,” disse ela suavemente, agachando-se para ficar à altura dos olhos da neta. “Esse valor corresponde ao nosso orçamento para a feira desta semana. Sinto muito, meu amor. Não será possível desta vez.”
A menina piscou, seus cílios tremulando como se estivesse lutando para demonstrar fortaleza.
“Está bem, Vovó,” sussurrou.
Mas sua voz falhou no final, e meu coração se partiu no vazio que suas palavras deixaram.
Uma memória me invadiu. Letícia aos cinco anos, girando em seu vestido de festa, aquele que eu conseguira comprar com muito esforço. Recordei-me de seu êxtase e de minhas lágrimas no banheiro posteriormente – não de remorso, mas de alívio.
Lembrei-me da expressão de Letícia no dia em que ganhou seu primeiro par de tênis de marca, não aqueles da opção mais econômica. Aquele olhar – o encantamento de ser valorizada, de ter o privilégio de almejar algo e concretizá-lo – permaneceu comigo todos esses anos.
E ali, observando aquela criança se afastar de um sonho de R$30,00, eu soube exatamente o que fazer.
Não refleti. Peguei o vestido amarelo, dirigi-me ao vendedor e estendi uma cédula de cinquenta reais.
“Não precisa do troco?” ele indagou, dobrando-o meticulosamente em um saco.
“Não,” respondi, balançando a cabeça. “Este item tem um destino certo.”
Corri entre as fileiras de barracas, contornando fregueses e bancas de bugigangas, até localizá-las novamente, próximas à tenda de pipoca caramelizada.
“Por favor!” chamei. “Dona! Com licença!”
A avó voltou-se, surpresa. A menina escondeu o rosto atrás de sua perna, curiosa, porém cautelosa.
“É para ela,” declarei suavemente, estendendo o saco. “Por favor, aceitem.”
O semblante da senhora desmanchou-se.
“Eu… não sei como agradecer. Eu a crio sozinha. Os tempos estão árduos, entende? Você não imagina o quanto isso representa, minha querida.”
“Compreendo sim,” afirmei com serenidade. “Sei exatamente o significado. Já estive em sua posição. Por favor. Permita que sua neta se sinta especial.”
As mãos da garotinha estenderam-se lentamente e cerraram-se no saco como se fosse confeccionado de veludo e estrelas. Nunca testemunhei a gratidão ocupar tanto espaço em mãos tão diminutas.
“Vovó! É o vestido! Aquele que eu desejei!” ela gritou, pressionando o saco contra o peito.
A idosa já vertia lágrimas. Ela pegou minha mão e apertou-a com intensidade.
“Obrigada,” sussurrou. “Muito obrigada. Veja só como você proporcionou felicidade à minha Lorena.”
Elas se afastaram gradualmente, e eu permaneci ali, observando-as desaparecerem entre a multidão. A renda do vestido amarelo emergia parcialmente do saco, e senti algo quente instalar-se em meu interior.
Não era propriamente orgulho.
Algo mais terno. Como se uma fenda, que eu ignorava existir, houvesse sido silenciosamente reparada. Uma cura discreta, que não se anuncia, mas permanece.
Na manhã seguinte, eu preparava o lanche escolar de Letícia. A residência estava em silêncio, exceto pelo ruído da chaleira e o leve tinir de minha colher na tigela de cereal.
Nossa rotina habitual – pacata, comum – que permite o início do dia sem grandes reflexões.
“Mãe,” Letícia chamou do corredor. “Não localizo minha outra meia.”
“Verifique sob a cama! Ou na cadeira de roupas para lavar!” respondi, fechando a tampa de sua garrafa térmica com uma mão enquanto acomodava uma maçã em sua lancheira com a outra.
Então ouviram-se batidas na porta – três golpes firmes e decididos que interromperam meus movimentos. Eu não aguardava visitas.
Meu estômago contraiu-se, uma combinação de curiosidade e algo mais que não conseguia definir. Sequei as mãos em um pano de prato, atravessei a sala e abri a porta.
Elas estavam ali.
Dona Margarida e a menina da feira encontravam-se em minha varanda, mas algo nelas havia se modificado. Margarida vestia um casaco impecavelmente passado, seus cabelos grisalhos presos em um coque imaculado, e sua postura era mais ereta do que eu recordava, com aquele orgulho discreto na estatura. Lorena estava ao seu lado, radiante no vestido amarelo. Ajustara-se perfeitamente. Uma fita clara sustentava seus cabelos, e suas faces estavam coradas pelo frio matinal.
Em suas mãos, ela segurava uma pequena sacola de presente dourada, que me estendeu sem proferir palavra.
“Bom dia,” disse Margarida com voz suave. “Espero não estarmos incomodando. Meu nome é Margarida, e esta é Lorena. Eu não sabia como localizá-la, mas lembrei-me de seu veículo. Anotei a placa, e um vizinho meu… ele trabalhou na polícia, nos auxiliou na pesquisa. Espero que não se importe. Nós… nós genuinamente desejávamos encontrá-la.”
Olhei para Lorena, que concordou com entusiasmo.
“Nós produzimos algo para você,” ela disse. “Porque você me fez sentir como uma princesa.”
“Adentrem, por favor,” eu disse, esboçando um sorriso.
Mas antes que Margarida pudesse avançar, Lorena correu em minha direção e colou a sacola em meu abdômen.
“É para você!” Lorena exclamou, radiante, empurrando a sacola em minhas mãos. “Eu e a Vovó que confeccionamos.”
Ela a estendeu com ambas as mãos, seus dedos mexendo nas alças, como se não tivesse certeza de minha aceitação.
Ajoelhei-me para receber a sacola, acariciando o papel brilhante.
“Vocês que produziram isto?”
Lorena assentiu com orgulho.
“Possui brilhos,” ela disse. “E selecionamos nossas cores prediletas.”
Abri a sacola com cuidado. Em seu interior, havia uma pequena caixa de madeira. Desfiz a fita e levantei a tampa.
Aninhada em papel de seda branco, encontrava-se uma pulseira artesanal, com contas diversas em tonalidades quentes de outono/inverno – laranja queimado, vermelho profundo e amarelo dourado. Uma paleta que evocava as folhas em transição, o bolo de fubá e os crepúsculos precoces.
Naquele momento, ouvi passos de meias correndo no assoalho de madeira.
“Mãe?” Letícia surgiu no corredor, os tênis ainda nas mãos. “Quem está na porta?”
Antes que eu pudesse responder, ela avistou Lorena e Margarida e aproximou-se, os olhos curiosos, porém gentis.
“Letícia, estas são Lorena e sua avó, Margarida,” eu disse. “Você recorda do vestido da feira? É a menina sobre quem eu comentei.”
“Ah!” Letícia exclamou, o rosto iluminado. “O vestido real amarelo!”
Lorena sorriu timidamente e girou, o vestido esvoaçando ao redor de suas pernas.
“Passamos a noite confeccionando esta pulseira juntas,” disse Margarida com afeição. “Não é algo grandioso, em si mesmo. Mas provém do coração. Sua mãe ofereceu a Lorena mais do que um vestido. Ela lhe proporcionou alegria, querida. E me devolveu algo que eu não experimentava há muito tempo: esperança.”
“Não precisavam,” eu disse, engolindo o nó que se formava em minha garganta.
“Precisávamos, sim,” retrucou Margarida suavemente. “Porque pessoas como você me recordam que o mundo ainda pode ser bondoso.”
Lorena girou mais uma vez, radiante.
“Quando eu for para a escola,” ela disse, “todos vão aplaudir! Serei a soberana da primavera!”
“Você já se assemelha a uma,” Letícia riu, aconchegando-se em mim. Por um instante, senti que minha cozinha aguardava precisamente aquela risada para completar-se.
Todas nós rimos, e por um momento, minha modesta cozinha – com suas canecas avariadas, bancada salpicada de migalhas e o aroma de torradas matinais – pareceu o local mais perfeito do planeta.
Observei a pulseira em minha mão, e algo suave e certeiro ancorou-se em meu peito.
Uma semana depois, encontrei um envelope em minha caixa de correio. Em seu interior, um bilhete, redigido em uma bela caligrafia cursiva em papel pautado.
“Querida Renata,
Nós adoraríamos que você comparecesse ao Festival Escolar de Lorena. Ela insistiu em convidar a ‘senhora que a fez se sentir valorizada’. Significaria enormemente para nós tê-la conosco, minha querida.
Com carinho, Margarida.”
Permanci um tempo observando o bilhete.
Eu não sabia se deveria comparecer. Parte de mim receava estar me intrometendo, adentrando um espaço que não me pertencia. Mas Letícia leu por sobre meu ombro.
“Mãe, acredito que ela verdadeiramente deseja sua presença. Você deveria ir.”
E esse foi todo o sinal verde que eu necessitava.
Naquele sábado, Letícia e eu adentramos o ginásio escolar, transformado em um oceano de balões coloridos e abóboras cintilantes. Luminárias de papel oscilavam no teto, e fileiras de cadeiras enquadravam um palco improvisado.
Localizei Lorena imediatamente. Seu vestido amarelo resplandecia sob as luzes festivas, e sua fita saltitava enquanto ela cantava com as demais crianças. Ela não estava apenas participando – ela estava radiante.
“Ela está deslumbrante, Mãe,” Letícia sussurrou, apertando minha mão. “Que maravilha que você adquiriu aquele vestido para ela. Que sorte que você é minha mãe.”
Eu poderia ter chorado.
Quando a melodia terminou, Margarida voltou-se e acenou para nós. Seus olhos brilhavam, e sua voz tremia com um orgulho contido.
“Ela não cessou de falar sobre você, Renata,” ela disse. “Ela solicitou que as convidássemos.”
Lorena lançou-se em meus braços.
“Você me assistiu?” ela perguntou, as faces ruborizadas.
“Sim, meu amor,” eu disse, beijando sua face. “Você estava magnífica.”
Margarida posicionou uma mão em meu ombro enquanto Lorena se dirigia para abraçar Letícia.
“Renata,” ela disse. “Eu não conheço sua história integral, mas posso afirmar isto: uma generosidade como a sua não se extingue. Ela cria raízes. E um dia, Lorena a transmitirá adiante.”
Alguns meses transcorreram desde o festival.
O que se iniciou com um vestido amarelo transformou-se em algo muito mais significativo. Margarida visita-nos frequentemente agora – sem aviso prévio, quase sempre com algo comestível. Sua culinária não provém de receitas ou livros.
É uma culinária da memória. De afeto e de alma. Pratos como pão de queijo aquecido, frango guisado com legumes e bolinhos de chuva delicados, fritos na hora.
Ocasionalmente, ela traz recipientes repletos de um caldo de feijão encorpado que Letícia jura possuir o sabor de abraços e cobertores invernais. Outras vezes, ela insiste para irmos à sua residência, compartilhar uma refeição ao redor de sua pequena mesa circular, onde pratos descombinados e guardanapos de pano coexistem em harmonia perfeita.
Letícia, que demonstrava hesitação em relação à ideia de possuir avós, agora envolve os braços na cintura de Margarida sem vacilar. Lorena, igualmente, encontrou algo sólido em nosso lar. Ela aconchega-se em mim durante as noites de cinema, ou solicita que eu entrelace seus cabelos como faço com Letícia.
Não estamos tentando substituir ninguém. Estamos… preenchendo os vazios silenciosos. O amor nem sempre chega como antecipamos; frequentemente, ele insinua-se lateralmente e estabelece residência.
Em uma noite, enquanto Margarida mexia uma panela de purê cremoso, Letícia inclinou-se sobre a bancada com um suspiro sonhador.
“Há um rapaz em minha turma,” ela disse. “Seu nome é Matheus. Ele exala aroma de pinho e goma de mascar de limão.”
Sem hesitar, Margarida deu uma leve batida em seu ombro com a ponta de seu pano de prato.
“Você possui 12 anos. Nada de namorados até os 18, minha Letícia,” ela disse em tom jocoso. “Talvez 20.”
Letícia riu tão intensamente que quase derrubou seu copo de suco.
“O quê? Vovó!”
“Você me ouviu perfeitamente, jovem,” Margarida replicou.
“E se ela gostar de dois rapazes?” Lorena indagou da mesa, balançando as pernas.
“Então é melhor ela aprender a confeccionar pastéis. Essa é uma crise que somente a culinária resolve,” declarou Margarida, com as sobrancelhas erguidas em desafio.
Todas nós irrompemos em gargalhadas – uma risada genuína, calorosa, que preencheu a cozinha. Ela ecoou contra as paredes e instalou-se nos recantos da sala como algo sagrado.
E assim, nos tornamos algo que ninguém esperava, mas que todas nós necessitávamos.
Não exatamente estranhas. Não exatamente parentes. Mas inquestionavelmente um lar. Por vezes, a existência que você constrói não é uma escolha: ela é devolvida a você sob a forma de pessoas que permanecem.